Por Michelle Pinterich
Às vésperas de completar 30 anos, nossa Constituição Federal é, mais uma vez, testada pelo Congresso Nacional, que, em uma única lei, conseguiu a façanha de violar dois dos princípios tributários mais caros aos contribuintes e indispensáveis ao Estado democrático de direito: o princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança.
A pretexto de prorrogar para alguns setores a vigência da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB), conhecida como “desoneração da folha”, a Lei n° 13.670, de 30 de maio de 2018, revogou essa sistemática de contribuição para outras atividades e produtos, já a partir de 1o de setembro de 2018. Empresas do setor hoteleiro, de transporte aéreo ou marítimo de cargas e passageiros, de transporte rodoviário e ferroviário de cargas, de manutenção e reparo de embarcações estão entre as excluídas do regime em 2018.
A revogação do regime da CPRB no curso do exercício fiscal já foi tentada em 2017, com a Medida Provisória (MP) n° 774, que teve sua vigência encerrada em dezembro de 2017 e foi alvo de inúmeras ações judiciais de contribuintes, prejudicados com a mudança nas regras da CPRB sem o necessário respeito à opção feita no início do exercício.
As empresas subitamente excluídas da CPRB pela Lei n° 13.670/2018 também devem recorrer ao Poder Judiciário, invocando os princípios da segurança jurídica, da anterioridade tributária e da proteção da confiança. A violação a estes princípios parece evidente na medida em que, ao exercerem sua opção pelo recolhimento da CPRB, as empresas o fizeram para todo o exercício, na confiança legítima e na boa-fé objetiva de que as regras vigentes no momento da opção seriam mantidas.
Mas a ofensa aos princípios tributários se manifesta também em outro dispositivo da lei, que veda, a partir da sua publicação em 30 de maio, a compensação de débitos de recolhimento mensal por estimativa do IRPJ e da CSLL, atingindo em cheio as empresas optantes do lucro real que possuíam créditos passíveis de compensação.
Vale lembrar que, em dezembro de 2017, a Instrução Normativa RFB n° 1.765, passou a condicionar as PER/DCOMP à transmissão da escrituração fiscal digital (EFD), no caso dos saldos negativos de IRPJ ou de CSLL, ou da EFD-Contribuições, no caso dos créditos de PIS e COFINS, adiando as compensações de tributos, inclusive aqueles que agora foram vedados pela Lei n° 13.670/2018. Uma medida oportunista, que obriga os contribuintes a continuarem recolhendo o IRPJ e a CSLL por estimativa mensal e abastecendo os cofres públicos, alquebrados pela total falta de compromisso do governo com medidas de ajuste fiscal.
A proibição de compensação também vem sendo objeto de ações judiciais, muitas com liminares favoráveis aos contribuintes, com base no desrespeito aos princípios da segurança jurídica, da anterioridade anual e da proteção da confiança, em decorrência do aumento da carga tributária no próprio exercício fiscal.
Além de recorrerem ao Poder Judiciário, as empresas atingidas com a vedação esperam que o próprio Congresso Nacional revogue este dispositivo da lei, o que pode ocorrer com a aprovação de uma das diversas emendas apresentadas à Medida Provisória n° 836, em tramitação. Como a MP 836 trata de assunto diverso, este é um caso típico de “emenda jaboti”, que viria para desfazer a trapalhada do próprio Congresso.
Leis inconstitucionais como a 13.670 sempre existiram e a atuação do Poder Judiciário nunca se fez tão necessária. Porém, trazem consigo um efeito colateral que transcende aos aspectos puramente jurídicos: a insegurança jurídica, que destrói as previsões orçamentárias das empresas e dos contribuintes, instaura a desconfiança, o medo e afugenta novos investimentos e negócios, prolongando indefinidamente a crise econômica em que o país patina há quatro anos.
O Poder Executivo e o Congresso Nacional parecem incapazes de perceber que não é pela surpresa ao contribuinte, em incisos e alíneas imperceptíveis no texto legal, que atingirão seus objetivos arrecadatórios. A arrecadação tributária eficiente exige um sistema claro, objetivo, confiável e menos regressivo. Nesse contexto, o projeto de reforma tributária, que começa a tramitar no Congresso, pode surgir como um sopro de esperança e de alívio para contribuintes e profissionais do direito. Ou um novo tormento, se deputados e senadores permanecerem alheios ao efeito recessivo do sistema atual.