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Os contratos e os negócios jurídicos processuais

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Por Marina Talamini Zilli

As regras processuais do novo Código de Processo Civil (CPC), que entrou em vigor em março, priorizam, entre outras premissas, a cooperação entre as partes do processo e o juiz, a busca efetiva pela conciliação, um processo mais célere e, ainda, a possibilidade de maior intervenção da vontade das partes quanto aos atos processuais. Justamente nessa possibilidade de ingerência das partes é que ganham importância os negócios jurídicos processuais.

Os negócios processuais não se confundem com acordos que as partes venham a fazer quanto ao mérito da discussão. Mas eles são regras que permitirão que a análise pelo Juiz acerca de tal mérito possa acontecer de forma mais rápida e efetiva, com combinados prévios quanto ao procedimento da ação e às provas que serão submetidas à análise do julgador. Seu propósito está fundado no princípio da cooperação, bastante valorizado no novo CPC, e preconiza um esforço comum, de todos os envolvidos no processo, para que o resultado eficaz seja alcançado em um prazo razoável.

Se com a legislação sobre Arbitragem passou a ser possível às partes contratantes excluírem da apreciação do Judiciário a solução de determinados conflitos, agora, com o novo CPC, as partes poderão pré-definir algumas regras procedimentais para as demandas que venham a ser submetidas ao Judiciário, em caso de eventual conflito entre elas. Nesse sentido, houve uma flexibilização do processo civil, permitindo-se que outras regras sejam de comum acordo combinadas entre as partes. São os chamados negócios jurídicos processuais, que podem ser estabelecidos previamente, em contrato, ou de comum acordo em determinada fase do processo judicial.

Os artigos 190 e 191 do novo código trazem inúmeras possibilidades, que poderão (e, muitas vezes, deverão) ser levadas em conta na celebração de um contrato. Há uma oportunidade muito proveitosa de, em certos casos e dentro do que a lei permite “autorregular”, as partes preverem prováveis situações e, de antemão, determinarem como será o procedimento, para que a solução do conflito seja mais rápida e eficaz. Isso já acontecia quando em um contrato as partes estabeleciam uma cláusula de eleição de foro, pré-determinando o local de uma eventual discussão judicial. Mas não era possível que as partes já estabelecessem regras contratuais a respeito de ônus da prova, inversão cronológica de alguns atos processuais, ou sobre as faculdades e deveres de cada parte no processo. Agora é possível ir além do que simplesmente escolher o local onde tramitará a ação judicial.

À primeira vista, essa oportunidade pode parecer um tanto vaga e pouco efetiva. Daí a importância de uma análise jurídica cautelosa no momento de redação e negociação das cláusulas contratuais. Naturalmente, regras que tenham sido pré-estabelecidas entre duas partes em um contrato específico, levando em conta sua relação comercial, particularidades do objeto do contrato ou outras questões inerentes àquele contrato em especial, não serão úteis ou adequadas em outro contrato (ainda que do mesmo “tipo”), entre essas mesmas partes ou com contratante distinto. Ou seja: o que vale para um contrato pode não valer a pena para outro.

O pacto estabelecido no negócio jurídico processual, uma vez firmado, passa a vincular as partes do contrato e o futuro juiz da causa. Por exemplo, se for estabelecido em contrato um determinado calendário para práticas de atos na futura ação para discussão decorrente de tal contrato, é esse efetivamente o calendário que valerá, a ponto de serem dispensadas todas as intimações das partes para a prática dos atos processuais ou realização de audiências que já tenham as respectivas datas sido previamente designadas no calendário previsto no contrato.

Essa novidade, que aos olhos leigos pode parecer inócua, é de extrema relevância para a celeridade da ação judicial, basta lembrar como é comum a demora no rito processual por conta da dificuldade de realizar determinadas intimações da outra parte. Além disso, a eliminação de uma série de atos de comunicação, no curso do procedimento, além de simplificar e agilizar o seu trâmite, representará efetiva redução de custos.

A exemplo do que já acontece em arbitragens (com a fixação de calendários e fixação das regras quanto às provas), a perícia também pode ser objeto de acordo entre as partes. Em uma arbitragem, as partes podem pré-definir quem será o perito; ou se serão apresentados laudos independentes por cada parte e um árbitro os avalia; ou se os técnicos serão todos ouvidos em uma audiência. Todas essas medidas poderão agora estar refletidas em cláusulas contratuais, conforme autorizam os artigos 190 e 191 do novo CPC, para que sejam aplicadas em uma ação judicial.

Outro aspecto importante, é que, não raro, as partes optam por não estabelecer cláusula de arbitragem, porque consideram que os custos ainda são bastante elevados para a sua realização, que por vezes não se justifica diante dos valores envolvidos no contrato. Ou, então, porque não é possível realizar a arbitragem para determinadas situações que dependem efetivamente de atuação no Judiciário. Os negócios processuais recepcionados pelo novo CPC vão permitir que muitas vantagens de um procedimento arbitral possam ser “levadas” para o procedimento de uma ação judicial.

Assim, é possível aos contratantes estabelecer cláusulas relativas a negócios processuais determinando, por exemplo, a impenhorabilidade de um determinado bem, a redução ou ampliação de prazos no processo, acordos referentes ao rateio de despesas processuais; ou, então, a dispensa consensual do efeito suspensivo do recurso de apelação ou acordo para que não seja promovida a execução provisória (isto é, para que não se possa executar a decisão da causa antes de esgotados todos os recursos e daquela se tornar definitiva). Podem, também, pré-estabelecer que haverá julgamento antecipado da lide, estabelecer regras sobre a produção de provas, prever a dispensa de assistentes técnicos ou quem irá custear a prova, número máximo de testemunhas ou até se estas poderão ser ouvidas em cartório. São diversas questões procedimentais que podem ser ajustadas, conforme as particularidades e necessidades efetivas de cada relação contratual.

Ao juiz da causa caberá controlar se as convenções dos negócios processuais são válidas. O juiz poderá recusar sua aplicação em casos de nulidade, quando alguma das partes estiver em manifesta situação de vulnerabilidade (por exemplo, se somente uma das partes não foi assessorada por advogado) ou, então, quando houver inserção considerada abusiva nos contratos de adesão.

O contrato de adesão é aquele em que uma parte impõe o contrato à outra, sem negociação de cláusulas, e essa apenas as aceita, assinando o instrumento como está, ou recusa a contratação. Mesmo nestes contratos, é possível prever negócios processuais. Mas, caso se configure situação abusiva, de evidente enfraquecimento ou prejuízo da parte que aderiu ao contrato, o Juiz poderá afastar a aplicação da cláusula (como já ocorre em relação a quaisquer cláusulas abusivas em contrato de adesão, que podem ser consideradas nulas em juízo). Portanto, não é o fato de se tratar de um contrato de adesão que inviabilizará a utilização desse tipo de avença, pois, se a cláusula beneficiar ambas as partes, sem enfraquecer a posição processual de nenhuma delas, deverá ser mantida no contrato, surtindo plenamente seus efeitos.

Naturalmente, é preciso esclarecer que há direitos que não são passíveis de composição (são ditos “indisponíveis”) e, portanto, não poderão ser objeto de negócios processuais. Pela mesma razão, os negócios processuais não poderão suprimir o direito de defesa e ao amplo contraditório no processo, o direito de interpor os recursos cabíveis e o de produzir provas, ou afastar a intervenção do Ministério Público quando a lei a exige. Tampouco poderão tratar do uso de provas consideradas ilícitas ou afastar o dever de motivação de decisões.

Ainda, assim, mesmo com algumas limitações quanto ao conteúdo e alcance, essa nova possibilidade representa um grande avanço. Implica em uma modificação significativa na forma de redação de cláusulas contratuais relativas a possíveis conflitos decorrentes do contrato. E, com isso, torna-se ainda mais importante a orientação e análise na elaboração de instrumentos contratuais por um advogado, que poderá orientar o contratante quanto às possibilidades dos negócios jurídicos processuais. E isso pode representar economia de tempo e dinheiro na solução dos conflitos submetidos ao Judiciário.

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