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Fraude à execução e a concentração dos atos na matrícula imobiliária

matrícula imobiliária

No dia 28/03/23, foi realizada a 6ª Reunião Geral de Trabalho da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB-PR, com a participação dos Tabeliães Dr. Daniel Driessen Junior, do 4º Tabelionato de Notas de Curitiba, e Dr. Thomaz Felipe Bilieri Pazo, do 9º Tabelionato de Notas de Curitiba, com mediação da sócia titular da SPTB Advocacia, Dra. Marina Talamini Zilli, tratando de fraude à execução, fraude contra credores e concentração de atos na matrícula imobiliária.

Conforme legislação vigente, os bens do devedor respondem por suas obrigações, em caso de inadimplemento. Em determinadas situações, pode haver o risco de ser caracterizada a fraude contra credores, ou, ainda, a fraude à execução (de consequências mais drásticas), afetando a eficácia do negócio jurídico. A Lei nº 14.382 de 2022 alterou a redação do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015, passando a estabelecer a concentração dos atos na matrícula imobiliária como parâmetro para a verificação de eventuais fraudes contra credores ou à execução, ao determinar que as alienações serão consideradas eficazes em relação a atos jurídicos anteriores que não tenham sido averbados ou registrados na matrícula imobiliária, ressalvadas algumas exceções. Esse é um avanço legislativo importante, na medida em que suaviza a responsabilidade e os riscos do comprador e atribui ao credor responsabilidade maior por zelar pelo pagamento da dívida.

Assim, diz a Lei que:

 “os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (…)
§1º Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
§2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:
I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e
II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais”.

A exceção à nova regra é o crédito fiscal, pois, conforme artigo 185 do CTN (Código Tributário Nacional), presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Conforme a regra da concentração dos atos na matrícula, as ocorrências que alterem o registro, inclusive títulos de natureza judicial ou administrativa, para que haja uma publicidade ampla e de conhecimento de todos, devem ser levadas à matrícula, preservando e garantindo, com isso, os interesses do adquirente e de terceiros de boa-fé. Assim, a comprovação da boa-fé do adquirente na aquisição de imóvel se daria, conforme a Lei, pela mera análise do que constava nos registros e averbações da matrícula imobiliária no momento da venda. Essa alteração legislativa visa fortalecer o princípio da razoabilidade, que estabelece a utilização dos instrumentos adequados para a proteção do crédito pelo credor, possibilitando que a matrícula de imóveis do devedor concentre as informações destinadas a alterar terceiros de boa-fé sobre o risco de caracterização de fraude a credores ou à execução em caso de aquisição do bem.  Trata-se de medida de reforço à ideia de que o credor que age com a cautela razoável e adequada é aquele que  se utiliza de todos os instrumentos previstos em Lei, para a proteção de seu crédito e que, aliás, são muitos: averbação premonitória, registro de ações reais ou pessoais reipersecutórias, averbação de decisões que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados, averbação notícia de existência de ação cujos resultados possam levar o devedor à insolvência, averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em Lei e ainda o protesto contra a alienação de bens, dentre outros.

Contudo, essa alteração legislativa, embora muito bem-vinda, ainda é recente e, na prática, percebe-se uma conduta cautelosa dos magistrados e Tribunais acerca do tema. A jurisprudência é ainda bastante conservadora em favor do credor prejudicado e as decisões majoritárias são muito balizadas nos institutos da fraude contra credores e da fraude à execução, cuja caracterização não sofreu qualquer alteração legislativa a partir do advento da nova redação do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015.

Assim, a obtenção e análise de todos os documentos para verificação da regularidade do imóvel e idoneidade financeira dos vendedores permanecem uma providência necessária e de extrema importância para evitar a frustração do negócio e os evidentes prejuízos decorrentes de sua anulação ou reconhecimento de ineficácia. A realização da diligência legal, devidamente assessorada por consultoria jurídica especializada, é fundamental para minimização de riscos e prejuízos indesejados. Isso porque o adquirente de boa-fé é aquele considerado diligente, que obtém e analisa a documentação de modo amplo, demonstrando sua diligência. Todos esses custos, riscos e ônus na obtenção de informações, certidões e documentos em diligência que confirmem a viabilidade da compra e venda, infelizmente, recaem muito mais sobre o comprador, do que sobre o próprio devedor ou o credor interessado. Assim era historicamente e segue da mesma forma, apesar do advento da alteração da Lei.

Mas se a legislação evoluiu, impulsionada pelo princípio de que o ordenamento jurídico deva assegurar a estabilidade das relações sociais, a expectativa é que tal evolução passe, gradativamente, a ser refletida na jurisprudência, privilegiando a segurança do mercado imobiliário e do terceiro de boa-fé, a fim de que possam ser reduzidos os ônus e custos de responsabilidade que recaem sobre adquirente ao realizar a investigação e verificação da idoneidade financeira do vendedor e da regularidade para a venda e passe a atribuir, cada vez mais, aos credores, a responsabilidade de buscar proteger e resguardar o seu crédito.

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