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Sucessão: indicador de uma vida bem-sucedida

Sucessão familiar

“Los hermanos sean unidos porque esa es la ley primera. Tengan unión verdadera en cualquier tiempo que sea, porque si entre ellos se pelean, los devoran los de afuera.”  José Hernández, in El Gaucho Martín Fierro

Muitas pessoas que procuram realizar um planejamento sucessório têm como principal objetivo a economia de impostos e custos. Existe realmente o risco de aumento da alíquota do imposto sobre heranças (ITCMD), pelo menos a médio prazo, com a sanha arrecadatória dos governos possivelmente se voltando para esse imposto. E, de fato, a sucessão por inventário é normalmente mais custosa que um planejamento realizado em vida pelo empresário ou dono do patrimônio. Porém, nossa experiência demonstra que, em muitos casos, o maior benefício de realizar um planejamento sucessório não é econômico.

Todos nos imaginamos na velhice com segurança financeira, cercados dos filhos e netos. Esperamos que nosso trabalho proporcione qualidade de vida para nós e nossos descendentes e que estes serão gratos por tudo o que fizemos por eles. Para muitos, um fator de realização mais importante que a quantidade de bens acumulados em vida é a relação com seus filhos quando adultos. E se incluirmos nessa equação a forma como os filhos se relacionam entre si, a dificuldade para a realização pessoal aumenta.

Como pais, desejamos que nossos filhos se deem bem, se ajudem ou pelo menos tenham uma relação de respeito e harmonia. Mas, infelizmente, isso não é o que acontece em muitos casos. E é no processo de sucessão em que a maioria dos conflitos emerge ou se potencializa, sobretudo quando feito por inventário, já sem a presença de um ou dos dois pais.

Por isso, iniciar um processo de sucessão pode causar certo desconforto, não somente por ter que pensar na brevidade da vida, mas também pelo temor de “levantar o tapete” que cobre diversos sentimentos enrustidos entre membros da família, como ressentimentos, ciúmes, falta de confiança, entre outros. O receio de antecipar potenciais conflitos pode inibir a decisão de iniciar uma sucessão patrimonial.

Mas deixar esta definição (e os custos) para os filhos é normalmente a pior decisão possível. A legislação pode ser confusa, os interesses e percepções dos herdeiros são distintos e qualquer divergência pode custar muito tempo e dinheiro. Nossa experiência demonstra que quem enfrenta essas questões tem como principal recompensa a tranquilidade de saber que deixará seu patrimônio organizado para evitar conflitos ou, pelo menos, oferecer instrumentos para solucioná-los com o menor dano possível.

O primeiro passo de um planejamento sucessório é buscar entender as relações familiares, o papel e a visão de cada um dos herdeiros sobre o patrimônio e as empresas. Muitos comportamentos, conflitos e dificuldades na gestão e especialmente na divisão de bens não têm como fator preponderante elementos racionais e objetivos. Os principais motivadores são de natureza emocional, cargas que as pessoas trazem, por vezes desde a infância.

O planejamento sucessório não se propõe a solucionar tais questões psicológicas, mas na medida do possível, segregá-las das decisões patrimoniais e empresariais, para minimizar seus efeitos sobre o patrimônio da família, sobretudo quando existem empresas em que trabalhem membros da família. Ao organizar o patrimônio, identificando a vocação e os interesses dos herdeiros, questões subjetivas podem ser contingenciadas para que não afetem as principais decisões.

Como muitos sabem, o instrumento mais utilizado nos processos sucessórios bem estruturados é a “holding”, assim comumente chamada a empresa de administração de bens/participações. Entre suas principais vantagens está a divisão do patrimônio feita por quotas, o que elimina a necessidade de avaliação de todos os bens e a discussão, por vezes, interminável, de quem fica com o que.

Destaca-se ainda a possibilidade de estabelecer a forma de administração e de tomada de decisões, permitindo que os herdeiros que não tenham funções nas empresas participem de decisões de competência dos sócios, mas sem interferir nas questões operacionais. Entre os temas que mais geram conflitos está a remuneração de quem trabalha e de quem apenas participa como sócio. Por vezes, quem trabalha na empresa familiar sente que seu trabalho não é reconhecido; por outro lado, os que estão “de fora” podem se sentir negligenciados e desconfiar que quem está na gestão tem vantagens indevidas, como gastos pessoais pagos pela empresa.

Nestes vinte e tantos anos trabalhando com famílias empresárias, já nos deparamos com situações que podem parecer curiosas, como a esposa de sócio que usava funcionários da empresa para levar seu cachorro no pet shop ou o sócio que passava na empresa e “limpava o caixa” antes do fim de semana. São inúmeras as situações que envolvem valores pequenos, mas que podem levar a conflitos maiores. A solução é estabelecer regras de boa governança, em que haja previsibilidade e transparência, como a definição do “pró-labore” (remuneração do trabalho do sócio/diretor), critérios para distribuição de dividendos para os que não estão no dia a dia da empresa, fluxo periódico de informações e prestação de contas.

É claro que a holding não é a solução para todos as situações. Em alguns casos, um testamento ou a divisão de todos os bens resolvem o planejamento sucessório de forma mais eficiente e econômica. Pode ser que a incompatibilidade entre herdeiros seja tanta que não existam condições nem para permanecerem como sócios. Mas é muito comum que os principais ativos não sejam divisíveis, como fazendas ou empresas operacionais, tornando a holding uma solução eficaz, já que podem ser criadas regras de convivência, quóruns para a tomada de decisões, critérios para ingresso de herdeiros, entre outras.

Apesar de cada família ser diferente, muitas situações são comuns e, com esforço e inteligência, podem ser superadas, de forma que o resultado do trabalho de uma vida proporcione não apenas segurança financeira e qualidade de vida, mas também harmonia para os sucessores. Não é incomum que muitos relacionamentos que estavam em dificuldades acabem sendo resgatados após o processo, pois não haverá mais a dúvida e a insegurança sobre uma futura divisão de bens.

Não escolhemos nossa família e não necessariamente temos que gostar de todos com quem convivemos, mas podemos escolher como nos relacionar com quem compartilhamos nosso tempo e patrimônio.

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