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Usucapião extrajudicial: procedimento e novidades da Lei nº 13.465/2017

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Por Marina Talamini Zilli

A Lei n° 13.465, de 11 de julho deste ano, trouxe alterações relevantes de ordem prática no procedimento de usucapião extrajudicial, que foi introduzido pelo Código de Processo Civil de 2015. O artigo 216-A da Lei de Registros Públicos estabelece os requisitos para que o próprio Cartório de Registro de Imóveis processe extrajudicialmente o pedido de reconhecimento de usucapião. E, se ao final do procedimento estiverem atendidos todos os critérios exigidos na lei, o próprio Oficial de Registro de Imóveis poderá diretamente registrar a aquisição do imóvel, com as descrições apresentadas, promovendo inclusive a abertura de nova matrícula, se necessário.

O detalhamento trazido pela lei de 2017, ainda que bastante pontual, visou a tornar o procedimento mais objetivo e de maior aplicação prática. Com a intenção de desjudicializar o usucapião, a exemplo do que já ocorreu com as retificações administrativas, o divórcio, a partilha de bens e outros atos que passaram a ser praticados também pela via extrajudicial, essa pode ser uma ferramenta poderosa para a regularização de propriedade imobiliária.

O usucapião extrajudicial é permitido para todas as formas de usucapião de imóveis e deve ser requerido por escrito, em petição assinada por advogado, endereçada ao Oficial do Registro de Imóveis competente e acompanhado de:

(I) ata notarial atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;

(II) planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;

(III) certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;

e (IV) justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

O pedido deverá estar fundamentado de modo a demostrar os requisitos legais para reconhecimento de usucapião (posse, justa, mansa, pacífica etc.).

Ainda que as recentes alterações objetivem tornar o procedimento mais claro e célere, não há padronização do entendimento dos cartórios quanto à prática dos atos notariais e de registros indispensáveis ao reconhecimento extrajudicial de usucapião.

A ata notarial exigida para o requerimento, lavrada na presença de um tabelião, visa a confirmar os fatos narrados. Ao lavrar a ata prevista no artigo 216-A, o tabelião atua como uma espécie de perito, autenticando um parecer que tem fé pública, emitido os documentos e evidências que lhe forem apresentados.

A planta e memorial descritivo necessários para o pedido de usucapião extrajudicial deverão estar assinados por todos os titulares de direito inscritos na matrícula imobiliária e também por todos os confinantes ou confrontantes. Caso algum deixe de assinar, a lei prevê a necessidade de notificação para que manifestem seu consentimento. O silêncio do proprietário constante na matrícula (ou dos confrontantes) do imóvel equivalerá ao consentimento. Essa é uma alteração significativa contida na lei de 2017, pois a redação anterior previa exatamente o contrário: que o silêncio do proprietário ou confinantes equivaleria à sua discordância.

Outra novidade é que, caso as pessoas a serem notificadas não sejam encontradas ou estejam em lugar incerto e não sabido, o registrador deverá certificar o fato e promover a publicação de edital de notificação. A nova redação do artigo também prevê a possibilidade de publicação de editais em meio eletrônico, se autorizado pela Corregedoria Geral de Justiça competente.

Mais uma inovação prática trazida pela nova lei é que, em caso de imóvel em condomínio (tanto do objeto do usucapião como de imóvel confrontante), bastará a notificação do síndico do condomínio, representando os confinantes, o que tende a agilizar bastante o procedimento.

Quanto às certidões exigidas, a lei fala em “negativas” do local do imóvel e do domicílio dos requerentes. Mas já existe interpretação de que devam ser apresentadas não só em nome do requerente e seu cônjuge, mas também as certidões em nome do requerido e seu cônjuge. E há, inclusive, quem interprete que a lei possibilita a concessão do usucapião mesmo com a apresentação de certidões positivas, desde que acompanhadas das certidões explicativas e não influenciem no pedido de usucapião. Entretanto, todas essas situações dependerão da análise de cada Oficial de Registro de Imóveis, pois não há ainda uma padronização do entendimento.

A novidade mais relevante é a do parágrafo 15 do art. 216-A, que estabelece que, em caso de ausência ou insuficiência de documentos para comprovar o justo título, a origem, a continuidade, a natureza e/ou o tempo da posse, tais dados poderão ser comprovados por meio de um procedimento de justificação administrativa, perante a “Serventia Extrajudicial”, que obedecerá o mesmo rito do procedimento de produção antecipada de provas previsto no Código de Processo Civil. As provas mais comuns, além das documentais, são as testemunhais. Apesar das dúvidas e críticas quanto a essa justificação administrativa, que se processaria perante o Oficial do Registro de Imóveis, a iniciativa de prever esta possiblidade é mais um instrumento buscado para viabilizar o reconhecimento do usucapião sem que seja necessário recorrer ao Judiciário.

Outra polêmica em torno da nova lei refere-se à possibilidade de renovação de pedido na via extrajudicial em caso de prévia tentativa de usucapião judicial que tenha sido negado. Mais uma vez, o entendimento não é uniforme e os argumentos favoráveis e contrários a essa possibilidade estão vinculados aos motivos da improcedência da ação judicial. Por outro lado, o usucapião extrajudicial previamente negado poderá ser renovado em novo requerimento.

Após a análise formal e material do pedido de usucapião extrajudicial, deverá ser dada ciência aos entes públicos, por notificação, para que avaliem se o pedido recai sobre bem público. Igualmente aqui o silêncio é interpretado como concordância.

A decisão do Oficial de Registro de Imóveis deverá ser sempre fundamentada, baseada no seu livre convencimento e nos documentos apresentados, e da decisão que indeferir o pedido cabe suscitação de dúvida. A própria lei prevê que a eventual rejeição do pedido não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

No procedimento extrajudicial é também possível a apresentação de impugnação por interessados ou entes públicos e já tem se considerado, inclusive, a possibilidade de tentativa de conciliação, já que a falta de conhecimento dos aspectos técnicos inerentes pode levar os interessados a discordarem do pedido. Caso não haja acordo, o Oficial de Registro de Imóveis então remeterá o procedimento ao juízo competente por meio eletrônico.

Finalmente, atendidos todos os requisitos e apresentados os documentos exigidos pela lei e não havendo impugnação, então, o Oficial procederá diretamente ao registro da aquisição do imóvel, sendo inclusive permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

Como se vê, o procedimento de usucapião extrajudicial, de fato, é mais rápido que uma ação, mas servirá para as situações menos complexas e não controvertidas. Quando houver dissenso e dificuldade probatória, a via mais óbvia continuará sendo sempre a judicial.

 

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